È uma velha questão, que muitas vezes é tema de nossas discussões, sobretudo por que convivemos com pessoas
com diferentes opiniões sobre o assunto.
Os textos do Novo Testamento mencionam literalmente
os “irmãos de Jesus”, que são Tiago, José, Judas e
Simão (Mc 6,3; Mt 13,55). Fala-se também de irmãs de Jesus, mas não têm um nome nos Evangelhos. Existe, porém, um grande debate sobre o que significa a palavra ‘irmãos’
adelfoi, em grego). A questão tem como pano de fundo o
dogma da Igreja Católica, que desde o Concílio Lateranense,
no VII século, afirma a virgindade de Maria, a mãe de Jesus.
Se Maria continuou virgem também depois de ter dado à luz Jesus, não pode ter tido outros filhos.
A controvérsia, portanto, é influenciada de modo decisivo
pela posição doutrinal das várias igrejas.
Em geral se pode dizer que para os protestantes Jesus
teve irmãos, invés para os católicos ele teve primos.
Vejamos primeiro de tudo os dados objetivos, mencionando
as passagens bíblicas onde aparece a expressão
“irmãos de Jesus”.
1. Mc 3,20-21.31-35: a mãe de Jesus, os seus irmãos e
irmãs vêm encontrar Jesus, pois creem que tenha enlouquecido. Jesus invés redefine o conceito de família.
2. Mc 6,3-5: as pessoas se perguntam sobre a origem do comportamento de Jesus (de onde?), invés os seus
conterrâneos sabem bem de onde ele vem: conhecem os seus irmãos e sua mãe por nome e as irmãs estão entre eles.
3. Jo 2,12, depois das bodas de Canã, diz que Jesus se encontra em Cafarnaum, com sua mãe, seus irmãos e seus discípulos.
Em Jo 7,3.5.10 se sublinha a distância que existe entre Jesus
e seus irmãos: não são do mesmo mundo.
4. Nos Atos e em Paulo os irmãos de Jesus aparecem como membros importantes da primeira comunidade cristã.
Atos 1,14 conta que entre os membros da comunidade de Jerusalém estavam a mãe e os irmãos de Jesus. Em 1Cor 9,5
os irmãos do Senhor são colocados entre os apóstolos e Cefas, como líderes da comunidade cristã. Em Gálatas 1,19 é
lembrada a visita de Paulo a Jerusalém, onde, além de Cefas, encontrou Tiago, o irmão do Senhor.
É importante sublinhar, repetindo, que o termo grego usado nessas passagens é ‘adelfós’, que literalmente significa ‘irmão’. Todavia esse dado não basta para abaixar a poeira.
Existe, de fato, diversas explicações sobre a expressão. Elencamos algumas.
1. Primos por parte de pai
Essa tese se baseia no trabalho de Eusébio de Cesaréia. De acordo com esse padre da igreja, os irmãos de Jesus podem
ser identificados com os filhos de Alfeu-Cleofas, tio paterno de Jesus, e sua esposa, Maria de Cleófas. Portanto ‘adelfós’ significaria primo de primeiro grau. Os defensores de tal tese dizem que não se trata de argumentos a posteriori, que tentam defender o dogma da igreja católica, mas conseqüência da aplicação do método histórico-crítico.
Quem sustenta atualmente essa tese são os católicos.
Porém o defensor clássico é Gerônimo, autor da Vulgata,
que, respondendo a Elvídio, que dizia que or ‘irmãos’ eram ‘irmãos carnais’, diz: “Tiago, chamado irmão do Senhor, chamado o Justo, alguns dizem que era filho de José com
uma outra mulher, mas creio ser filho de Maria, irmã da mãe
do Nosso Senhor, de quem João fala no seu Evangelho”.
Em linhas gerais se pode dizer que também Lutero defendia
essa tese. Lemos, em Sermão sobre João:
“Cristo foi o único filho de Maria, e a virgem Maria não
teve outros filhos além dele. ‘Irmãos’ significa na realidade ‘primos’, pois as Sagradas Estrituras e os judeus chamam
sempre irmãos os primos... Cristo, o nosso salvador, foi
o fruto real e natural do seio virgem de Maria...
Isso aconteceu sem a cooperação do homem e Maria
continuou virgem também depois”. Também Calvino
escreve: “Segundo o costume judeu, chamam-se irmãos
todos os parentes. Contudo Elvídio foi ignorante quando
disse que Maria teve diversos filhos por que em algum lugar
se menciona ‘irmãos de Cristo’” (Comentário a Mateus, 13.55).
Os críticos dessa teoria são sobretudo o os protestantes
que, diferente de Lutero e Calvino, intendem ‘adelfós’
como ‘irmão’ no sentido carnal e não ‘primo’.
2. Primos por parte de pai e de mãe
É uma tese do exegeta alemão Josef Blinzler. Ele diz que
Tiago e José são filhos da irmã da mãe de Maria, que também
se chama Maria; Invés Simão e Judas são filhos de Cleofas, irmão de José esposo de Maria, e de Maria de Cleofas.
Ele baseia sua teoria no texto de João 19,25, que distingue
a irmã de Maria de Maria de Cleofas. Outros difensores dessa tese são Rinaldo Fabris e Vittorio Messori. Mas a tese não é muito clara, visto que não é assim tão fácil distinguir duas Marias em João 19,25.
3. Irmãos carnais
É a tese que nasceu com o bispo ariano de Milão, Elvídio,
no IV século. Ele defendeu a superioridade do casamento
em relação ao voto de castidade. Para sustentar a sua teoria
disse que também Maria tinha vivido com José e tinha tido outros filhos depois do nascimento de Jesus.
Essa posição é sustentada pelos protestantes. Essa visão é contestada pelos católicos, cristãos ortodoxos e também
pelos muçulmanos, que seguem o que é escrito no Corão.
4. Irmãos adquiridos
É a teoria do evangelho apócrito de Tiago, segundo o qual
José, quando se casou com Maria, tinha outros filhos,
de um casamento anterior. Outros escritores clássicos
defentem essa tese: Clemente de Alexandria, Origenes,
Eusébio, Hilário de Poitiers, Ambrosiaster, Gregório de Nisa, Epifânio, Ambrósio, Cirilo de Alexandria. Hoje sobretudo os ortodoxos concordam com essa visão, mas também o adventista Angel Manuel Rodríguez.
5. Colaboladores
A escola exegética de Madri defende que os atuais textos gregos do Novo Testamento se baseiam em textos em aramaico e analisando os textos em questão dizem que ‘irmãos de Jesus’ indica na verdade aquele que colaboravam, ou seja, os
apóstolos e outros discípulos que o seguiam.
Do mesmo modo que a ‘irmã da mãe de Jesus’ seria
também ela uma mulher que acompanhava Maria.
Para organizar a nossa apresentação, digamos que existem
duas teorias: uma que diz que ‘adelfós’ significa irmão
carnal e outra que retém que seja primo.
Argumentos favoráveis a “irmãos”
• Etimologicamente adelfós (plural = adelfoi) significa
co-uterino, ou seja, filho da mesma mãe.
• Mt 1,24;24 diz: “José (...) recebeu em casa sua mulher.
Mas não a conheceu até o dia em que ela deu à luz um filho.” ‘Conhecer’, na Bíblia, significa ter relações sexuais.
O texto bíblico em si não exclui que depois do nascimento
de Jesus Maria tenha tido outros filhos.
• Lucas 2,7 diz que Maria deu à luz o seu filho primogênito.
Se Maria não tivesse tido outros filhos Lucas poderia ter
usado ‘unigênito’.
• Se os irmãos fossem primos a Bíblia teria usada a palavra
grega ‘anepsios’ e não ‘adelfos’.
• Mc 3,21 e Jo 7,5 afirmam que os irmãos não tinham
fé em Jesus. Desse modo não podem serem identificados
com os apóstolos ou colaboradores do Senhor.
Argumentos favoráveis a “primos”
• A palavra adelfós tem um campo semântico que não se
limita à ligação com a mãe, mas pode normalmente
significar também irmão só por parte de pai.
Além disso o grego do novo testamento é um
a língua influenciada pelo pensamento semítico dos
seus autores. Quando o escritor escreve em grego está,
na verdade, pensando em hebraico-aramaico.
Portanto quando ele usa ‘adelfós’ está efetivamente
usando o vocábulo hebraico-aramaico ‘ah’.
Esse termo, na sua língua, não significa só irmão, mas todo grau de afetividade ou parentesco (Conferir Gn 13,8; 29,15; Lv 10,4).
• No grego existe a palavra ‘anepsioi’ para primos, mas no grego bíblico, que é diferente daquele clássico, esse vocábulo indica um parentesco não próximo, no sentido existencial. Portanto os ‘primos’ de Jesus, visto que eram em contato com ele, não podiam ser chamados ‘anepsioi’.
• Os ‘irmãos’ de Jesus não são nunca colocados em relação
com Maria e José; só Jesus é figlio de Maria e filho de José.
• O fato que Jesus é chamado primogênito e não unigênito
não é importante. De fato na sociedade hebraica o primeiro
filho tem um valor em si e é sempre o primogêntico, mesmo sendo filho único. Ilustra essa tese a descoberta de uma inscrição em um túmulo em Tell el-Jehudi que diz: “nas dores do parto do meu primogênito a sorte me conduziu ao fim da vida”. É claro que nesse caso o primogênito é também unigênito.
Considerações finais
O problema dos ‘irmãos de Jesus’ é sobretudo uma questão dogmática. É muito mais simples acreditar que Jesus tenha
tido irmãos. Porém há outros indícios que precisam ser considerados. A palavra ‘primo’ (anèpsios) aparece uma
única vez no Novo Testamento (Colossenses 4,10 –
A tradução de Almeida nesse caso usa, de modo errado, ‘sobrinho’). Porém em outro livro em grego, Tobias (que
não aparece na Bíblia Hebraica e, por isso, nas protestantes,
mas cujo texto hebraico foi encontrado também em Qumran),
os termos ‘anèpsios’ e ‘adelfós’ são usados sem distinção
para significar primo ou parente em geral (cf. Tobias 7,1-4 e confrontar com Tobias 6,1). De fato alguns manuscritos em 7,4 usam anèpsios, enquanto outros usam ‘adelfós’. Além do mais, o contexto bíblico nos obriga a recordar que o conceito de família naquele tempo era muito mais largo do que o atual: fazia parte da família, como irmãos (ah em hebraico), todos os que habitava a casa (bet em hebraico), o clam familiar. Outro aspecto é a tradição. Não é decisivo, mas acreditamos seja importante. Já no segundo século não havia dúvidas sobre a relação dos “irmãos” com Jesus: não eram filhos de Maria.
Esse conceito continuou vigente inclusive no tempo
da Reforma, com Lutero e Calvino. Somente nos últimos tempos ele voltou a ser questionado.
Concluímos dizendo que a tradição cristã afirma que aqueles
que a bíblia chama ‘irmãos de Jesus’ são na verdade seus parentes. E, do nosso ponto de vista, a Bíblia não oferece argumentos para combater essa tese, mas nos dá alguns que podem sustentá-la.
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